quarta-feira, 26 de agosto de 2009

PERGUNTAS QUE PRECISAM DE RESPOSTAS

Philip Yancey 
Capítulo 1 - A vida com Deus
METÁFORAS MISTURADAS

Ninguém, ao ler o livro de Oséias, pode deixar de notar que o tema é o adultério espiritual. A esposa do profeta, uma prostituta chamada Gômer, reforça a mensagem verbal, refazendo a história da infidelidade de Israel para com Deus. Mesmo assim, misteriosamente, se dividirmos o livro em quatro partes, no início da última delas há um trecho notável sobre a paternidade. Durante dez capítulos Deus expressara o ciúme e a raiva de um Amante Desprezado, comparando Israel a uma mulher que tivesse casado com Ele e depois vendesse seu corpo para outros amantes. Mas, no capítulo 11:1,3,4, o tom se altera radicalmente.

Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho. ... Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomando–os pelos seus braços, mas não entenderam que eu os curava. Atraí–os com cordas humanas, com laços de amor,
e fui para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e lhes dei mantimento.

Uma imagem invade minha mente, de uma fita de vídeo onde os pais registraram os primeiros passos de uma garotinha. A mãe, ajoelhada, fala com carinho persuadindo sua filhinha, que estende as duas mãos e balança, perigosamente, de um lado para o outro. A câmara se move rapidamente e mostra a alegria do pai. Tanto ele quanto a mãe continuam a sorrir de uma orelha a outra sempre que colocam a fita e assistem. Foi assim, como um pai ou mãe bobos de tanto amor, que Deus ensinou seu povo a caminhar. Nesse trecho de Oséias, Ele se recorda, com nostalgia, da alegria da paternidade. Subitamente grita, em uma pontada de dor, Seu coração se move dentro dEle, sua compaixão é despertada:

Como posso desistir de você, Efraim? Como posso entregar você para os outros, Israel?

Que motivo terá levado a este interlúdio suave em meio a uma história para adultos sobre a prostituição? A mistura das duas imagens – Israel como filho e como amante — é, no mínimo, diversa do convencional. Se um ser humano misturasse as duas imagens, pensaríamos em incesto. Mas Deus, buscando uma analogia que expressasse os sentimentos profundos que nutre por seu povo, escolhe os dois relacionamentos humanos mais profundos: paternidade e casamento. Na tentativa de decifrar a combinação extraordinária das duas figuras em Oséias, cheguei a uma palavra: dependência. Ela é a chave para se descobrir o que há em comum entre as imagens e como elas diferem.
O relacionamento entre a criancinha e seus pais é caracterizado pela dependência. Os bebês dependem deles para satisfação de todas as suas necessidades, e eles desempenham tarefas desagradáveis — ficarem acordados a noite toda, limparem vômito, ensinarem a usar o banheiro — porque sentem a dependência total do filho, e amam aquele bebê. Sem pais que cuidem dele, o bebê morrerá.
Ainda assim, esse padrão de comportamento não permanecerá para sempre. Os bons pais estimulam pouco a pouco a independência do filho. Meus amigos ensinaram a filha a andar, em vez de empurrá–la por toda a vida em um grande carro. Embora soubessem que um dia ela poderá andar para longe deles, não deixaram de ensinar. Lamentavelmente, alguns pais fracassam em dar independência aos filhos. Conheço um homem de 37 anos que ainda mora com sua mãe, por exigência dela, e lhe entrega todo o salário que recebe. Só sai de casa se a mãe permitir. Qualquer pessoa pode perceber que e um relacionamento doentio. Na paternidade e na maternidade a dependência deve fluir rumo à liberdade.
Os amantes revertem este fluxo, já que possuem a liberdade e escolhem abrir mão dela. A Bíblia manda que se submetam um ao outro, e qualquer casal pode dizer que esta é uma descrição acurada do processo cotidiano de viver juntos. A romancista Elizabeth Barrett Browning escreveu o seguinte soneto pouco antes de se casar com Robert:

E, assim como o soldado derrotado depõe sua espada Perante aquele que o ergue do solo ensangüentado –Assim mesmo, Amado, eu, por fim, Termino aqui minha luta. Se você me chamar, Levantar–me–ei de meu abatimento ao ouvi–lo. Aumente seu amor, para que meu valor cresça.

Em um casamento saudável, cada um se submete, voluntariamente, ao outro, em amor. Nos relacionamentos problemáticos, a submissão transforma–se em parte de uma luta, um cabo–de–guerra entre dois egos.
* * *

Deus sofre em Oséias porque o povo de Israel rompera o fluxo da dependência. No deserto Ele alimentara Israel com o objetivo de transformá–lo em adulto, dando–lhe a liberdade da Terra Prometida. Mas o povo agarrou a liberdade e, como um filho rebelde – como Gômer –, desprezou–a, afastando–se de Deus. Israel nunca compreendeu o significado do casamento; nunca aprendeu a se entregar voluntariamente, em amor, para Deus. Oséias registra a profunda tristeza de Deus, que queria uma esposa, mas só conseguiu encontrar uma filha.
O padrão da dependência pode, acredito, ensinar–nos muito sobre os planos de Deus para a raça humana. Lendo Oséias e suas surpreendentes metáforas misturadas, fui forçado a examinar minha própria vida. Será que prefiro o conforto de um relacionamento infantil com Deus? Será que me apego ao legalismo como uma forma de segurança, uma forma ilusória de conseguir que Deus "goste mais de mim"?
Meu amor por Deus é condicional, como o de uma criança? Quando as coisas não vão bem, será que desejo fugir, ou gritar: "Odeio você!"? Ou sou mais como um parceiro no casamento: aquele tipo de casamento antigo, na doença e na saúde, para o melhor e para o pior, até que a morte nos separe (ou, neste caso específico, até que a morte nos reúna)?
A progressão na Bíblia, e em Oséias especialmente, ensina–me que tipo de amor Deus deseja receber de mim: não o dependente, desamparado, de um filho, mas o maduro, entregue liberalmente, de um esposo. Embora ambos expressem um tipo de dependência, existe uma diferença vital entre eles: a mesma que há entre paternidade e casamento, entre lei e Espírito.

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