segunda-feira, 31 de agosto de 2009

de novo

Perguntas que precisam de respostas - Philip Yancey - Capítulo 1 - A vida com Deus

FAÇA DE NOVO!

Uma de minhas amigas, mulher jovem, sofisticada e polida, deteve–me outro dia com notícias animadoras – pelo menos para ela. Gastou dez minutos recriando em palavras os primeiros passos de seu sobrinho de 1 ano de idade. Ele aprendeu a andar! Tropeçou como um bêbado, agarrou sofá e cadeiras para se firmar, mas aprendeu a andar! As pernas dobravam–se, os pés viravam–se para fora e o corpo inclinava–se, acentuadamente, para a frente.
No momento em que ela falava, fui envolvido pelo relato detalhado. Mais tarde, refletindo sobre nossa conversa no ambiente sóbrio de meu escritório, percebi como pareceria estranho para alguém que escutasse por acaso. Nós dois nos maravilhamos, expressando o maior dos entusiasmos, por uma habilidade dominada pelos aproximadamente dez bilhões de humanos que já habitaram neste planeta. Então, ele sabe andar – todo mundo sabe. Por que tanta animação?
Percebi que a infância é uma época em que temos um luxo raro na vida, a qualidade de ser especial, que quase desaparece durante o resto de nossa existência. Ao crescer, lutamos incessantemente para conseguir atenção. Os adolescentes varam a noite estudando para provas, maltratam o corpo em atividades físicas torturantes, fazem hora extra para comprar roupas de griffe. passam horas na frente do espelha se enfeitando – tudo para serem notados. Na idade adulta as pessoas institucionalizam a busca insana das conquistas. Queremos, desesperadamente, destacar–nos, ser notados. Enquanto isso, uma criancinha só precisa dar uns passos desengonçados cruzando um tapete da sala de estar, e seus pais e suas tias contam vantagem de seu triunfo para rodos os amigos.
Os refletores da atenção especial podem ser acesos de novo quando chega o momento do romance. Para um apaixonado, todo sinal de nascença é bonitinho, os hobbies estranhos reflexo de viva curiosidade, um espirro motivo para atenção redobrada. Voltamos a ser abençoados com a classificação de especiais: por algum tempo, pelo menos, at que o tédio da vida acabe com isso.
O que acontece durante as fases de cuidados atentos na infância e a de namoro arrebatado é um contraste completo com nosso comportamento normal. Ao entrar em um ônibus, ninguém exclama para o motorista:
"Não acredito! Quer dizer que você dirige este ônibus enorme o dia todo, e sozinho? E nunca sofre um acidente? Isso é maravilhoso!"
E nem paramos alguém no supermercado para falar, efusivamente:
"Estou tão orgulhoso de você, que sabe direitinho qual marca de produto escolher! Existem tantas marcas diferentes, e mesmo assim você sabe quais as que quer e coloca todas em seu carrinho e empurra por todo o mercado com tanta segurança! Impressionante!"
Ainda assim, é este espírito, absurdo quando aplicado à rotina da vida, que mostramos para com as crianças e os apaixonados. Para eles, "santificamos" o que é comum e corriqueiro.
Não proponho que façamos papel de tolos todas as vezes em que encontramos um motorista de ônibus ou um consumidor econômico. ´

Mas, pensar sobre o tratamento dispensado às crianças e aos apaixonados trouxe–me apreciação mais profunda de algumas metáforas bíblicas.

Deus escolhe mais vezes "crianças" e "apaixonados" para descrever nosso relacionamento com Ele do que qualquer outra figura.

O Velho Testamento é repleto de imagens de marido–esposa.
Deus corteja Seu povo, é louco por ele, como um apaixonado por sua amada.
Quando O ignoramos, sente–se ferido, rejeitado, como um apaixonado desprezado.
O Novo Testamento também usa a mesma imagem, apresentando a Igreja como "a noiva de Cristo".
Ao alterar a metáfora, também anuncia que somos filhos de Deus, com todos os direitos e privilégios de ilustres herdeiros. Jesus (o Filho "Unigênito" de Deus) veio, ficamos sabendo, para possibilitar nossa adoção como filhos e filhas na família de Deus.

Estude estas passagens bíblicas, e você verá que Deus olha por nós como nós olhamos por nossos próprios filhos, ou pela pessoa a quem amamos.
Por ser infinito, Deus tem uma capacidade que não temos: tratar toda a criação como igualmente especial. G. K. Chesterton fala assim sobre isto:

Um bebê balança as pernas ritmadamente em decorrência do excesso e não da ausência de vida. Em face da sua vitalidade abundante e do seu espírito impetuoso e livre, as criancinhas querem que todas as coisas sejam repetidas e imutáveis. Sempre dizem: "De novo!", e o adulto repele até que não agüenta mais. Isto porque os adultos não são fortes o suficiente para exultar com a monotonia. Mas talvez Deus seja. É possível que, todas as manhãs, Ele diga ao sol: "De novo!", e todas as noites repita as mesmas palavras à lua. Talvez não seja uma necessidade automática que torne todas as margaridas iguais, pode ser que Deus faça cada uma delas separadamente, sem nunca se cansar de repetir o modelo. Pode ser que Ele tenha o apetite eterno da infância, porque nós pecamos e envelhecemos, e nosso Pai é mais jovem do que nós.

Enquanto leio a Bíblia, parece–me evidente que Deus satisfaz ao seu "apetite eterno" amando individualmente cada ser humano. Imagino que Ele vê cada passo vacilante que dou em minha "caminhada" espiritual, e acompanha com a ansiedade de um pai assistindo a seu filho dar o primeiro passo. E talvez, quando os segredos do Universo forem revelados, descobriremos um propósito oculto na paternidade e no amor romântico. Pode ser que Deus nos tenha concedido esses momentos de ser especiais para nos despertar para a simples possibilidade de amor infinito, do qual nossas maiores experiências aqui na Terra são meros lampejos.

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