terça-feira, 27 de outubro de 2009

Vingança



A VINGANÇA DO VIGILANTE

"Não sabem o que fazem." Lucas 23.34.

Trinta e sete anos de idade.
Magro, quase frágil. Cabelos ralos e óculos. Conhecedor de eletrônica. Respeitador da lei e tímido. Essa não seria certamente a descrição que você daria a um vigilante. De modo algum a pessoa que você escolheria para representar Robin Hood ou o Vaqueiro Solitário.
Mas isso não preocupou o público norte-americano. Quando Bernhard Hugo Goetz estourou os miolos de quatro supostos assaltantes num trem subterrâneo de Nova Iorque, ele tornou-se instantaneamente um herói. Uma atriz famosa enviou-lhe um telegrama do tipo "amor e beijos". Camisas com a frase "matador de assassinos" começaram a aparecer nas ruas da cidade de Nova Iorque. Um grupo de roqueiros escreveu uma canção em sua honra. O povo deu e levantou fundos para defendê-lo nos tribunais. Programas de rádio ao vivo receberam um dilúvio de cartas. "Eles não querem desistir", disse um entrevistado de um programa radiofônico.
Não é difícil descobrir a razão.
Bernhard Goetz era uma fantasia americana realizada. Ele fez o que todo cidadão gostaria de fazer.
Revidou. Ele deu um pontapé nas canelas do valentão. "Deu um soco no nariz do vilão." "Golpeou o mal na cabeça." O herói tímido personificou uma ira nacional ou até mundial: a sede de vingança.

A abundância de apoio é uma evidência clara. As pessoas estão com raiva, elas estão zangadas. Existe uma ira reprimida, fervente, que nos leva a homena-gear o homem que destemidamente (ou temerosamente) diz, "Não agüento mais!" e aparece a seguir com uma pistola em cada mão.
Estamos cansados. Cansados de sermos oprimidos, molestados e intimidados. Estamos cansados dos assassinos, estupradores e criminosos de aluguel.
Estamos zangados com alguém, mas não sabemos quem. Temos medo de alguma coisa, mas não sabe¬mos do quê. Queremos reagir, mas não sabemos como. E então, quando um valentão moderno entra em cena, nós o aplaudimos. Ele está nos representando! "É assim que se faz, Amigão, é assim que se faz!"
Ou será que é? É assim realmente que se faz? Vamos pensar um minuto sobre a nossa raiva.

Raiva. Trata-se de uma emoção peculiar, embora previsível.
Ela começa como uma gota d'água.
Um irritante.
Uma frustração.
Nada grande, só um agravamento.
Alguém passa à sua frente no estacionamento.
Alguém corta sua passagem na estrada.
Uma garçonete é lenta quando você está com pressa.
A torrada queima.
Pingos d'água. Plim. Plim. Plim.
Todavia, recolha o suficiente dessas gotas aparentemente inofensivas de raiva e antes de muito tempo você terá um balde cheio de ódio.
Vingança ambulante. Amargura cega. Odio desenfreado.
Não confiamos em ninguém e arreganhamos os dentes para quem quer que se aproxime. 
Nos transformamos em bombas que andam, as quais, se submetidas à tensão e medo adequados irão explodir como dinamite.

Isso é modo de viver? Qual o proveito que o ódio jamais trouxe? Que esperança a ira já criou? Que problemas foram algum dia resolvidos pela vingança?
Ninguém pode culpar o público americano por aplaudir o homem que revidou. Todavia, quando a atração começa a diminuir em relação a tais atos, a realidade nos leva a fazer perguntas: que bem foi feito? Esse é realmente o meio de diminuir a incidência de crimes? Os transportes subterrâneos estão para sempre seguros? As ruas se acham agora livres do medo? Não. A ira não faz isso. Ela só se alimenta de um desejo primitivo de vingança que alimenta a nossa raiva, que alimenta a nossa vingança, que alimenta a nossa raiva. É fácil ter uma idéia do quadro. Os vigilantes não são a resposta.
Todavia, o que fazer então? Não podemos negar que nossa raiva existe. Como controlá-la? Uma boa opção é encontrada em Lucas 23.34. Jesus fala aqui sobre a multidão que o matou.
"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem."
Você já pensou como Jesus deixou de revidar? Você já perguntou como ele manteve o controle? Eis a resposta. Ê a segunda parte de sua declaração, "porque não sabem o que fazem". Observe cuidadosamente. É como se Jesus não considerasse aquela multidão sedenta de sangue e faminta de morte como assassinos, mas vítimas. É como se ele não visse nos seus rostos ódio, mas confusão. É como se os considerasse como "ovelhas sem pastor" e não como inimigos a combatê-lo.
"Não sabem o que fazem."
Quando pensamos no episódio, eles realmente não sabiam. Não tinham a menor idéia do que estavam fazendo. Constituíam uma multidão excitada, raivosa contra algo que não podia ver, de modo que ela se voltou contra Deus, justamente contra ele dentre todos. Mas não sabia o que estava fazendo.
Na maioria das vezes, nós também não sabemos. Continuamos, por menos que queiramos admiti-lo, a ser ovelhas sem pastor. Tudo o que sabemos é que nascemos de uma eternidade e estamos medonhamente perto de outra. Brincamos de pegador com a realidade indistinta da morte e da dor. Não podemos responder às nossas próprias perguntas sobre o amor e a mágoa. Não podemos solucionar o enigma do envelhecimento. Não sabemos como curar nossos corpos nem conviver com nossos cônjuges. Não conseguimos nos manter fora da guerra. Não podemos sequer manter-nos alimentados.
Paulo falou pela humanidade quando confessou, "Não sei o que faço".
Sei que isso não justifica nada. Não justifica os motoristas que atropelam e fogem, nem os traficantes de pornografia infantil, ou os que pertencem ao comércio de entorpecentes. Mas ajuda a explicar por que eles fazem essas coisas terríveis.
Meu ponto é este: a ira descontrolada não melhora o nosso mundo, mas a compreensão e a simpatia poderão fazê-lo. Uma vez que vejamos o mundo e nós mesmos pelo que somos, há possibilidade de prestar auxílio. Uma vez que nos compreendamos a nós mesmos, começamos a operar por compaixão e interesse e não com uma atitude de ira. Não olhamos para o mundo com uma carranca amarga mas com as mãos estendidas. Compreendemos que nossas luzes se apagaram e uma porção de pessoas está tropeçando no escuro. Acendemos então as luzes.
Nas palavras de Michelângelo, "criticamos através da criação". Em lugar de revidar, ajudamos. Vamos aos cortiços. Ensinamos nas escolas. Construímos hospitais e socorremos órfãos... e pomos de lado nossas armas.
"Não sabem o que fazem."
Existe algo sobre compreender o mundo que nos faz desejar salvá-lo, e até morrer por ele.

Ira? A ira jamais fez bem a ninguém. Compreensão? Os resultados não são tão rápidos quanto as balas do vigilante, mas são com certeza bem mais construtivos.

Max Lucado em Seu nome é Salvador, não é de se admirar que o chamem assim.

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